Feldmann destaca papel agregador de Florence
Empresário e amigo do homenageado, Alceu Feldmann relata os desafios e lições de Florence na luta pela valorização dos fertilizantes
O que o senhor tem a dizer sobre a trajetória profissional de Carlos Florence?
O Florence tem uma história muito importante para o setor de fertilizantes. Bem no início da sua carreira, trabalhou como executivo numa empresa de fertilizantes, mas em seguida foi diretor executivo da AMA [Associação dos Misturadores de Adubos]. Foi um agregador. O setor era composto por misturadores pequenos, médios e grandes, e ele foi importante na união dos misturadores, dos assuntos que envolviam a parte política. Era um homem íntegro, com a confiança de todo mundo. Por exemplo, nós tínhamos as reuniões da IFA [Associação Internacional de Fertilizantes, na sigla em inglês], ele sempre esteve presente e coordenava um grupo de quatro, cinco, seis misturadores, dando peso ao setor. Ele deixa saudade pessoal, mas faz uma falta muito grande na coordenação de todo esse grupo de misturadores do setor de fertilizantes.
E no plano pessoal?
Desde que fundei a Fertipar, em 1980, convivi com o Florence. Ele era um amigo particular meu. Sempre que tínhamos oportunidade, estávamos juntos. A sua falta me fez sentir muito. E o setor como um todo perdeu um grande líder.
Na sua longa convivência com Florence, certamente ocorreram episódios marcantes. Poderia nos contar algum deles?
Nós tivemos uma época em que a nossa entidade ficou um pouco fragilizada. Muitas empresas saíram. Empresas grandes que eram misturadores se tornaram produtores saíram, e a entidade ficou um pouco fragilizada até em termos de recursos econômicos. Florence disse: “Eu abro mão da minha remuneração”. A associação não concordou com isso, claro, mas só pra mostrar assim o entusiasmo dele pela AMA, uma dedicação pessoal, total e absoluta.
Uma liderança nacional do porte de Florence, com trânsito em Brasília, deve ter recebido convite para seguir carreira política, não? O que ele pensava sobre isso?
Ele era a cara, a imagem da nossa associação, da AMA. Era apaixonado pelo que fazia, interagindo com vários sócios, dos grandes e poderosos aos pequenos misturadores. Ele representava os misturadores da AMA Brasil. Eu não sei se ele teve outras oportunidades, mas acho que se tivesse esse convite ele abriria mão, porque era apaixonado pelo que fazia.
Entre os assuntos da plataforma de atuação de Florence, o que precisa assumido pelos dirigentes do setor?
Uma das questões que era uma preocupação normal, e com bastante atenção da parte dele, e que não mudou, é a grande dependência que o Brasil tem do produto importado. Florence pensava o seguinte: nós vamos levar muitos anos ainda sendo dependentes do produto importado. Na época do governo militar, quando entrou em funcionamento a fábrica de ureia de Araucária, a primeira coisa, com seis meses de funcionamento, foi colocar tarifa de importação pra ela poder ser competitiva. E quando a Fosfertil foi privatizada, houve um movimento muito grande dos novos sócios pra colocar tarifa de importação. Então sempre foi uma bandeira da AMA Brasil brigar contra isso, porque seria um contrassenso você colocar qualquer imposto sobre produto importado num Brasil deste tamanho. OK, temos a indústria nacional, mas ela está concentrada em Minas Gerais e numa parte de Goiás, e o Brasil importa produto por todos os portos, que a indústria nacional não consegue alcançar. Então essa sempre foi uma bandeira dele, sempre defendendo, indo a Brasília, dizendo que nós não poderíamos encarecer os produtos importados com tarifa de importação porque não somos autossuficientes.
O que o trabalho de Carlos Florence tem a ensinar à nova geração de empreendedores e dirigentes do agronegócio?
Ele era um exemplo porque era uma pessoa bastante articulada, com relação interpessoal com todo o setor, mesmo com os produtores, misturadores e fornecedores nacionais e internacionais. Teve uma longevidade no setor, sempre muito entusiasmado, parecia um jovem. Então esse é um legado para as gerações mais novas.
O senhor gostaria de acrescentar algo que não tenhamos abordado aqui?
Sim. Nós tivemos uma época em que o setor era abastecido de ureia só pela Petrobras. Então uma empresa maior teria mais força de compra, de argumentação. Mas não os pequenos. Daí a AMA criou um pool de compras, liderada pelo Florence, onde se dava viabilidade de todos os pequenos misturadores que eram associados terem acesso ao suprimento de uma empresa como a Petrobras. Naquela época você também tinha uma empresa que pertencia o governo, que era a Fosfertil, e acontecia a mesma coisa: existia um diálogo muito grande entre o misturador representado por ele junto à Fosfertil. A viabilidade dos pequenos misturadores foi conquistada pelo trabalho do Florence. Hoje nós temos ainda um número enorme de associados da AMA Brasil que são pequenas e médias empresas regionais, que sempre tiveram o apoio e o amparo da AMA, na pessoa do Florence.