Um emérito catalisador
Para o empresário Callil João Filho, presença de Florence era sinônimo de unidade em torno de objetivos comuns
Gostaríamos que o senhor contasse algumas das muitas histórias que o senhor vivenciou ao lado do Florence.
O Florence está no setor de fertilizantes desde jovem, quando era funcionário do Grupo Bunge. Quando ele entrou na Benzenex, eu fui diretor dele. Eu era diretor comercial e ele era promotor de vendas. O primeiro contato que eu tive com Florence na vida foi quando ele começou a questionar o meu tipo de administração comercial. Aí eu brinquei com ele, e falei: Florence, vamos fazer o seguinte: você senta aqui na minha cadeira, eu sento na sua, e fica muito mais cômodo porque aí você pode falar tudo o que quer e eu aprender tudo o que preciso aprender. Ele humildemente se recolheu, e daí nasceu a nossa forte amizade. Então, segurando na mão do Florence, eu o acompanhei nas diversas viagens de negócios, e o primeiro grande negócio que o Florence fez comigo foi uma venda para um grande empresário da época, o Olacyr de Moraes. E nós fomos num restaurante lá na Líbero Badaró, isso em 1974, e fechamos o negócio. A partir daí o Florence começou a ter confiança na firma e na minha pessoa como diretor. Este é o primeiro fato. Depois disso houve uma desintegração da Benzenex, e ele criou uma firma com outro diretor, a Cobrin, e eles tentaram entrar no mercado com a venda de fertilizantes. Nesse período da Cobrin eu tive pouco contato com ele. Mas tão logo nós fundamos, eu fundei, junto com outros misturadores, a AMA, que era o Grupo São Paulo, que se transformou em AMA. Fui presidente da AMA, mas me senti um pouco longe de São Paulo, e precisava de um executivo mais atuante aqui. Aí o Florence entrou na AMA pelo meu convite. Ele me apoiou muito, me ajudou, criamos o grupo de concentração de compradores e fornecedores. O êxito da AMA foi pela atuação do Florence. A AMA deve muito pro Florence. Embora a gente tinha ideia, o executor da ideia foi sempre o Florence. É isso que eu podia dizer.
Ele era uma liderança no setor, tinha trânsito em Brasília, ele viajava, articulava. Esse tipo de figura no Brasil comumente vira político, candidato a cargo público. Ele deve ter recebido convite para entrar na carreira política. O que ele pensava a respeito?
Não. Não. Veja só: o Florence sempre foi humilde sem ser servil. Ele sempre foi educado, educando. Sempre foi agregador, e somador, e multiplicador de ideias. Sempre foi, entendeu? Por isso que ele ficou uma figura querida de todos nós. Então ele não tinha essa vaidade de ser político.
Quando ele não falava de fertilizantes, falava do quê?
Poesia.
Poesia!
É. Ele era um escritor maravilhoso. Posso mostrar as mensagens que nós trocávamos para ver a grandeza do escritor que ele era.
Sim, ele tinha um blog e publicou um livro…
Mas as mensagens que nós trocávamos é diferente. É mais intimista, você pode sentir a pureza dele, sabe? É melhor do que aquele que está preocupado em escrever. Eram narrativas muito interessantes.
O que ele tem publicado é um livro de prosa, não de poesia.
Sim, comigo também, mas é uma prosa poética.
E isso foi publicado?
Não. Está só na minha coletânea.
Das coisas que ele fez profissionalmente tem algo que não chegou a ser implementado e que valeria a pena as novas gerações, novas lideranças, lutar por elas?
Olha, na posição profissional dele, como secretário executivo da AMA, que é um setor que está prestes a ser modificado, ele conseguiu deixar todos nós agregados na AMA. Com a habilidade dele, não houve dispersão, só aumento. Ele conseguiu deixar todo mundo aglutinado no propósito de ter a AMA como orientadora nossa na parte comercial, jurídica e fiscal. Tudo que ele pegou não morreu. Se ele teve algum plano que não conseguiu implementar, eu não tenho ciência.
Para quem está chegando agora e não conhece o trabalho dele, o que o senhor destacaria?
Por si só a vida dele é um exemplo. Teve as maiores adversidades e nunca reclamou. Sempre foi um amigo exemplar na atitude. Além de ser um bom ouvinte, me dava exemplo de atitude todo dia. E vou usar outra expressão: ele nunca foi um hipócrita, e nem um gentil-hipócrita, aquele hipócrita que é gentil. Se ele não pudesse dar a opinião, ele se calava. E você precisava entender, no silêncio da fala dele, a mensagem que ele dava. Nunca entrou numa disputa verbal para impor sua opinião. Nunca. Por isso que ele é querido. Por isso que em Brasília ele era ouvido. Por isso que o setor é ouvido.
O senhor disse que ele não falava de política, mas o trabalho dele tinha um lado político no sentido de pensar formas de estruturar a produção, a economia, e isso de alguma forma é pensar o país. Como ele imaginava o futuro do país?
Podemos resumir numa frase simples: ele sempre achava que ia dar certo. Achava que as coisas tinham que dar certo.
Era um otimista.
É. Ele era otimista. Preste bem atenção: quando houve congelamento de preços, eu e o Florence fomos a Brasília pra tentar ver se quebrava esse congelamento. Eu me recordo que o político que nos atendeu disse: tudo está congelado, até o vinho nós congelamos. Florence: mas vocês não podem congelar o preço do fertilizante, que vai alimentar a uva que vai dar o vinho pra vocês poderem congelar [risos]. Mas saímos de mãos vazias. O produto ficou congelado mesmo. Então, eu não conheço o Florence político.
Entre as conquistas do setor, tem sido citado o pool de compradores…
Foi na minha gestão. O primeiro pool que nós fizemos na compra do sulfato de amônia de uma firma, e deu certo. E daí pra frente nós burilamos o pool. Quem estava no pool eram os associados da AMA. Íamos junto à Ultrafertil, no tempo que o Ozires Silva era o presidente, fizemos o pool da Petrofertil, fizemos o pool com os players mundiais. Ele conseguiu administrar isso tão bem que hoje é uma ferramenta de compra do setor.
Então o pool ainda existe?
Existe sim. Eles inclusive fazem viagem internacional para comprar, e o Florence sempre foi em todas as viagens. Foi para a Alemanha, Rússia, tudo quanto é país, para fazer a compra de matéria-prima. E o Florence era o secretário-executivo do pool. Participava inteiramente de todas as compras.
Para concluir, ficou alguma coisa de fora, que não tenhamos tratado e que o senhor ache importante registrar?
Ó, depois que nós envelhecemos, e os deslocamentos ficaram difíceis, nós mantivemos um grupo que reunia sistematicamente, duas vezes por ano, para almoçarmos junto e trocar os fluidos da amizade. Isso começou lá no tempo do antigo Hotel Ca’d’Oro, lá na Augusta, que tinha um restaurante que fazia uma famosa refeição, um cozido de legumes e carne, nós reuníamos lá. Com o tempo, sumiu o Ca’d’Oro e nós mantivemos esse grupo. Sabe como é que eu classifico o Florence? Um catalisador. Um emérito catalisador. E nós éramos os elementos que precisavam estar unidos. Ele conseguia manter a gente unido.