O telefone toca na Patagônia. Era Florence
Corria o ano de 2017 e Mirna Pinski passeava pela Patagônia. Escritora consagrada, com dois prêmios Jabuti e um ABL Infantojuvenil, ela integrava uma excursão ao extremo sul do continente — quem sabe, em busca de inspiração para mais uma história. Então o telefone tocou. Do outro lado da linha estava uma voz que ela não ouvia há quase 60 anos.
– Pego o celular e ouço “Florence”. Lembrei do nome. É engraçado isso. Imagina, 60 anos depois você vai lembrar com quem você trabalhou? Eu não lembrava de quase ninguém, mas do Florence eu lembrava. Ele era uma pessoa muito delicada. Eu me lembrava dele como uma pessoa extremamente gentil, inteligente.
Mirna conheceu Florence no Palácio do Governo, quando tinha 19 ou 20 anos. Ele era oficial de gabinete de Ademar de Barros, governador de São Paulo entre 1963 e 1966, e ela era secretária do subchefe da Casa Civil. Trabalharam mais ou menos dois anos no mesmo departamento. Depois disso nunca mais tinham se encontrado.
Quando Florence decidiu reunir seus escritos em livro, precisava de alguém para orientá-lo sobre o processo de publicação. Lembrou da antiga colega de trabalho, que já escrevia, e encarnou o papel de repórter, começando uma apuração até chegar ao número de celular que foi atendido na Patagônia.
– Ele me encontrou pela internet porque lembrou que eu escrevia, pois ele também tinha feito um percurso em direção à escrita. Então eu indiquei a editora onde ele publicou o livro.
Nos últimos quatro anos em que voltaram a conviver, entre 2017 e 2021, a literatura era o centro das conversas — via WhatsApp, e-mail ou em almoços recheados de histórias. Mirna, com 49 livros publicados, colocava as dela no papel. Florence, escritor tardio mas com o entusiasmo de um iniciante, publicava num blog e em jornal.
– Achei lindas as crônicas que ele publicava num jornal do interior. Nesse período começamos a falar sobre esse seu lado de escritor. Foi essa nova identificação que a gente teve.
O que fica para Mirna é a figura humana exemplar de Carlos Florence. Alguém que sabia exercer a arte do diálogo.
– Ele discutia as questões, mas de uma maneira sempre muito respeitosa, sabe? Realmente uma pessoa diferenciada.